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23/07/2006
Retratos das Misericórdias
Fortaleza da Barra Grande, jóia maior da baía de Santos

Fortaleza da Barra Grande, jóia maior da baía de Santos

 

H. S. Ivamoto, editor da Acta Medica Misericordiæ

 

 

         Ancoradas no interior do estuário, defronte à Santa Casa da Misericórdia e às singelas casas da pequena e indefesa vila de Santos, as três belonaves fortemente armadas e os cerca de duzentos combatentes do corsário Edward Fenton deixavam a pacata população apreensiva. As notícias sobre as atrocidades praticadas cinco anos antes por Francis Drake, na costa do Pacífico, ainda estavam bastante vivas em sua memória.

 

     A frota aportara a 16 de dezembro de 1583 alegando  objetivos pacíficos de abastecimento e reparos tendo, contudo, requisitado forja e fundição para seu equipamento bélico. Braz Cubas, fundador da Misericórdia e da Vila, assim como outros líderes locais, amantes da terra e de seu povo, embora concordassem em fornecer víveres, eram unanimemente contrários à colaboração com armamentos.Com a morte de D. Henrique em 1580, o trono português passara a um neto de D. Manuel, Felipe II da Espanha, que em Portugal ficou conhecido como Felipe I. A Espanha, católica, era inimiga da Inglaterra e da Holanda, protestantes. Sob o reinado espanhol, as colônias de Portugal, inclusive o Brasil, tornar-se-iam-se alvos de invasores ingleses e holandeses.

 

       Numa tarde quente daquele verão, José Adorno, o já octagenário porém ainda altivo e resoluto proprietário do Engenho São João, acompanhado de dois outros moradores, retornam à nau capitânea onde já haviam estado a convite. Devolvendo as belas peças de tecido com que haviam sido brindados, disse com firmeza, a Fenton, que a gente de Santos não se corrompia com presentes e não se entendia com reconhecidos piratas, aconselhando-o ainda a partir porque o Capitão-mor não permitia o seu desembarque. Na mesma tarde, o capitão espanhol André Higino e sua frota de três navios, integrantes da esquadra de Diogo Flores Valdez, alertado sobre a presença dos intrusos, fundeava próximo à costa sul, aguardando o anoitecer.

 

O luar daquela noite delineava os contornos enegrecidos dos montes aos lados da baía, como gigantes postados a guardá-la, enquanto as águas ondulantes refletiam sua luz prateada. Ao fundo, algumas fracas luzes identificavam as vilas de Santos e de São Vicente debaixo do céu estrelado. Cruzando a baía com agilidade, as silhuetas escuras e silenciosas das naus espanholas atingem o  estuário e dirigem-se ao porto. Surpresos com a frota que avançava em seu encalço, os tripulantes de Fenton rapidamente levantam âncoras e rumam ao mar. No inevitável encontro trava-se sangrento e prolongado combate, após o qual um dos galeões ingleses é capturado enquanto os demais conseguem escapar.

 

A construção da Fortaleza

       Com a artilharia do galeão apreendido, armou-se a fortaleza construída na ilha de Santo Amaro em 1584, à boca do estuário, pelo engenheiro genovês Giovanni Battista Antonelli. Na noite de 24 de dezembro de 1590, a guarnição da fortaleza não percebeu a passagem da frota de Thomas Cavendish, que desembarcou e saqueou  Santos e São Vicente. Em 1615 seu canhões foram acionados contra a poderosa armada do almirante holandês Joris Van Spielbergen.

 

       A Fortaleza da Barra Grande foi reformada e ampliada no século XVIII  pelo engenheirro militar francês Jean Massé. Durante a Revolta da Armada, em 1893, sua artilharia foi usada pela última vez, contra o cruzador República. Desativada em 1911 quando suas últimas baterias foram transferidas para o Forte de Itaipu, situada ao sul da baía, passou a ser usada como depósito e posto fiscal, depois como sede do Círculo Militar de Santos, seguindo-se um período de abandono e depredações. Os atuais habitantes da região recordam-se bem do estado deplorável e ruinoso a que ficou reduzida.

 

A restauração

       Em setembro de 1993 foi firmado um protocolo de intenções pelo Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, Prefeitura Municipal de Guarujá, Sociedade Visconde São Leopoldo e Universidade Católica de Santos. As duas últimas instituições eram representadas pelo Dr. Fúlvio Casal, diretor geral, e pelo Dr. Francisco Prado de Oliveira Ribeiro, reitor, que nomearam uma comissão de trabalho formada pelos Professores José Wilson Vasconcellos, Maria Helena Lambert, Carmen Lydia Dias Carvalho Lima e Elcio Rogério Secomandi. A cerimônia, realizada na capela da Fortaleza, foi testemunhada pelo Bispo Diocesano e Chanceler da Unisantos, Dom David Picão, pelo comandante da Primeira Brigada de Artilharia Antiaérea, General Edmundo Montedônio Rêgo e outras autoridades. A restauração foi executada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente responsável pela edificação, em projeto de Victor Hugo Mori e Antonio Luiz Dias de Andrade, com a colaboração da Universidade Católica de Santos,  Prefeitura Municipal de Guarujá, Exército, Marinha, Polícia Militar, Emurg, Prodesan, Petrobrás e outras instituições.

 

A reabertura

        A obra restaurada foi reaberta em cerimônia ocorrida em 21 de abril de 1997, tendo como padrinho o Professor Élcio Rogério Secomandi, que se destacara pelo entusiasmo, dedicação e pelo trabalho desenvolvido junto à comunidade militar de onde proveio. Participaram do evento autoridades eclesiásticas, universitárias, militares, judiciárias, políticas, culturais e um grande público.

 

       A capela do conjunto foi presenteada com um magnífico mural de vinte metros quadrados pela família de Manabu Mabe - Vento Vermelho - a mais bela obra do falecido mestre, obra-prima que encerrou a longa e produtiva carreira artística internacionalmente reconhecida.

 

     Para quem chega pelo mar, a orla da baía lembra uma tiara em que a fortaleza alva, cravada sobre promontório rochoso, destaca-se como sua jóia maior. Com a recuperação do precioso monumento, considerado o mais importante conjunto arquitetônico-militar do Estado de São Paulo, não apenas a memória e a arquitetura regionais foram beneficiadas e enriquecidas. Tornou-se um forte atrativo para incentivar o turismo histórico, esquecido na nossa região e que outras, com um passado menos rico que o da outrora Capitania de São Vicente, aproveitam com bons resultados.

 

      Nossos cumprimentos aos restauradores, esperando que alguém com semelhante empenho e dedicação se interesse pela recuperação e inserção no roteiro histórico, cultural e turístico de outras relíquias, como o Engenho de São Jorge dos Erasmos, o Forte de Vera Cruz do Itapema, o Santuário de Santo Antonio do Valongo, a Estação Santos-Jundiai e a Casa do Trem Bélico.

 

A Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, junto ao estuário, na baía de Santos

A Fortaleza na entrada da barra de Santos.

 

REF: IVAMOTO, Henrique Seiji . Fortaleza da Barra Grande, jóia maior da baía de Santos. A Tribuna, Santos, Brasil, p. B5, 19 fev. 2000.

 



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