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Atrofia branca com gangrena no pododactilo: relato de um caso
White atrophy with gangrene on the toe: a case report
Carlos Henrique de Alvarenga Bernardes, Vilma Ilka Teixeira de Camargo, Maria Angélica da Silva Almeida, Maria Cecília de Santos Freitas, Maria Fernandes Marete Antunes Garcia
Resumo
Millan (1929) descreveu pela primeira vez a doença com atrofia branca, que atinge pequenos vasos arteriais da derme superficial, que são obstruídos por fibrina, acompanhado de hiperplasia do endotélio e não apresenta processo inflamatório local. Existem poucos trabalhos publicados na literatura, e não foi encontrado nenhum relato semelhante ao nosso nas referências bibliográficas consultadas. O paciente do sexo masculino, branco, 60 anos, casado, motorista, nos procurou devido à gangrena no 4º pododáctilo direito, que surgiu espontaneamente e não obteve bom resultado terapêutico pelas orientações médicas realizadas anteriormente. Pelo exame clínico não apresentava doença arterial ou venosa nos membros inferiores, e tinha lesões atróficas esbranquiçadas com regiões de hiperpigmentação na perna e tornozelo direito. Foi realizado tratamento clínico com antiinflamatório, vasodilatador periférico e antiadesivo plaquetário. O tratamento cirúrgico foi simpatectomia lombar direita e desbridamento cirúrgico no 4º pododáctilo direito. Após biopsia da pele foi obtido resultado anátomo-patológico compatível com atrofia branca. No 16º dia de internação hospitalar, o paciente teve alta médica com cura das lesões tróficas do pododáctilo.
Bernardes CHA, Camargo VIT, Almeida MAS, Freitas MCS, Garcia MFMA. White atrophy with gangrene on the toe: a case report. Acta Medica Misericordiæ 1(1):14-16, 1998
Descritores: Arteriopatias obstrutivas. Trombose. Gangrena Arteriopatias obstrutivas. Trombose. Gangrena
Summary
Millan (1929) was the first to describe the disease with white atrophy, which affects small arterial blood vessels in the superficial derm that are obstructed by fibrinoid material, accompanied by thickening of the intima, and not presenting local inflammatory process. There are few publications, and no report similar to ours was found in the bibliographic references we consulted. The patient, male, white, 60 years old, married, driver, came to us with gangrene on the 4th right toe which had occured spontaneously and failed to obtain good results with the treatment received previously. On physical examination, no arterial or venous disease in the lower limb was apparent and there were atrophic lesions with hyperpigmented regions and white-colored tissue in the right leg and ankle. The clinical treatment consisted of an anti-inflammatory agent, peripheral vascular dilator, and an platelet inhibiting agent. The surgical treatment included a right lumbar sympathectomy and debridement of the 4th toe. Histological study from skin biopsy revealed white atrophy. At the 16th day of hospital admission the patient was released with healed lesions on the toe.
Key Words: Arterial occlusive diseases. Thrombosis. Gangrene. Arterial occlusive diseases. Thrombosis. Gangrene.
INTRODUÇÃO
Elisaf e colaboradores (1991) descreveram a atrofia branca como sendo uma entidade anátomo-clínica independente e relatada pela primeira vez na literatura científica por Millan em 1929.
A atrofia branca ocorre mais nas mulheres do que nos homens, na faixa etária de 30 a 40 anos, e pode atingir os membros superiores e inferiores. Existem poucos trabalhos publicados na literatura, o que acreditamos ser devido à sua baixa freqüência, e à falta de conhecimento do seu quadro clínico pelos médicos das diversas especialidades.
O presente trabalho tem como finalidade a divulgação da atrofia branca com gangrena no pododáctilo, com detalhes da anamnese, conduta e resultado.
RELATO DO CASO
O paciente do sexo masculino, branco, 60 anos, casado, motorista, procedente da cidade de Santos, nos procurou devido à alteração de coloração e dor intensa na falange distal do quarto pododáctilo direito. Referia que essa alteração iniciara-se espontaneamente, e que fora medicado sem sucesso. Como antecedente pessoal teve surtos de pequenas úlceras no terço inferior da perna e tornozelo direitos, que cicatrizaram e reagudizaram periodicamente. Tabagista, consumia vinte cigarros por dia desde os 18 anos de idade.
A pressão arterial era de 90/70 mmHg. À inspeção observou-se gangrena na falange distal do quarto pododáctilo direito, e no terço inferior da perna e tornozelo direitos, lesões atróficas esbranquiçadas com regiões de hiperpigmentação e telangectasias. Os pulsos arteriais periféricos estavam presentes, e sem anormalidades adestacar. O exame com ultra-sonografia e doppler resultou normal para as artérias tronculares periféricas. Submetemos o paciente a aortografia translombar, que demonstrou não haver anormalidades nas artérias tronculares do abdome e dos membros inferiores.
Instituímos o tratamento clínico para o paciente com antinflamatório, vasodilatadores periféricos e anti-adesivos plaquetários. Devido à alteração trófica que o paciente apresentava no pé direito, realizamos uma simpatectomia lombar direita. Após a delimitação da lesão necrótica, esta foi removida cirurgicamente. Foi realizada biópsia de pele da perna direita, e o material foi encaminhado para o Serviço de Anatomia Patológica da Santa Casa de Santos.
Fig. 1 Gangrena na falange distal do quarto pododactilo direito. |
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Fig. 2 Lesão atrófica esbranquiçada com região de hiperpigmentação na perna direita. |
O resultado anátomo-patológico foi compatível com a doença atrofia branca.
No 16º dia de internação hospitalar o paciente obteve alta médica com cura da lesão do pododáctilo.
DISCUSSÃO
Atrofia branca é uma doença crônica, mais comum em mulheres jovens e de meia idade, e atinge com maior freqüência as pernas e os tornozelos. Entretanto, neste trabalho o paciente era do sexo masculino e na sexta década da vida.
Realizamos a aortografia translombar e o estudo com doppler e ultra-sonografia para afastar uma doença arterial degenerativa ou inflamatória troncular nos membros inferiores.
A lesão tecidual com gangrena na falange distal do pododáctilo, no nosso paciente com atrofia branca, não foi relatada na literatura consultada. O que encontramos foram lesões necróticas ao nível de perna descritos por Boisnic e colaboradores (1988).
Todavia, Nelson (1955) e Elisaf e colaboradores (1991) descreveram que a maioria dos casos de atrofia branca são assintomáticos e de evolução benigna.
Fig. 3 Fotomicrografia: Depósito de fibrina no interior do vaso sanguíneo e hiperplasia do endotélio. |
O tratamento clínico instituído por Gupta e colaboradores (1990) e Bisalbutra e colaboradores (1993) foi o uso de sulfasalizina para a regressão dos sintomas dolorosos provocados pela atrofia branca nas extremidades inferiores.
No entanto, neste caso, utilizamos para o paciente o diclofenaco de sódio, que permitiu obter resultados semelhantes aos descritos anteriormente.
A simpatectomia lombar direita possibilitou um aumento de temperatura do pé direito e ajudou a cicatrização da lesão trófica do quarto pododáctilo direito. Purcell (1986) salientou que esse tipo de intervenção cirúrgica necessita de um estudo científico mais apurado, para sua utilização como rotina.
Gupta e col. (1990) referem como relevante no achado anátomo-patológico a presença de depósito de fibrina no interior do vaso sanguíneo da derme superficial, decréscimo da vascularização e hiperplasia do endotélio com hialinização da sua parede vascular, sem processo inflamatório. Resultado semelhante ao encontrado no nosso paciente.
Bosnic e col. (1988) chamaram a atenção para que se faça um diagnóstico diferencial, antes de concluir que o paciente tem a atrofia branca. Portanto, devemos excluir as seguintes doenças que podem provocar lesões periféricas semelhantes a esta: a vasculite leucocitária necrotizante, a dermatite de estase venosa, doenças arteriais obstrutivas, hipertensão arterial e doenças do colágeno.
Ao depararmos com um paciente portador de gangrena na extremidade do membro superior e inferior, podemos pensar, como possível diagnóstico etiológico, na atrofia branca, como foi relatado neste caso.
REFERÊNCIAS
Bisalbutra P, Kullavanijaya P: Sulfasalagine in atrophie blanche. J Am Acad Dermatol 1993; 28: 275-276.
Boisnic S, Frances C, Charpentier Y: L’ atrophie blanche idiopathique cause de microangiopathie cutanee thrombosante. Ann Pathol 1989; 9: 118-120.
Elisaf M, Nikou-Stefanaki S, Drosos AA, Moustsopoulos HM: Atrophie blanche. Ann Med Interne 1991; 142: 415-418.
Gupta AK, Goldfarb MT, Voorhees JJ: The use of Sulfasalazine in atrophie blanche. Int J Dermatol 1990; 29: 663-665.
Nelson LM: Atrophie blanche em plaque. Arch Dermatol 1955; 72: 242- 251.
Purcell SM, Hayes TJ: Nifedipine treatment of idiophatic atrophie blanche. J Am Acad Dermatol 1986; 14: 851-854.
(*) Os autores: C. H. A. Bernardes é professor titular da disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos e chefe do Serviço de Cirurgia Vascular da Santa Casa da Misericórdia de Santos. V. I. T. Camargo é professora titular da disciplina de Patologia da FCMS e chefe do Serviço de Anatomia Patológica da SCMS. M. A. S. Almeida, M. C. S.Freitas e M. F. M. A. Garcia são alunas da FCMS.
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