Polêmica: outras histórias sobre Martins Fontes
H. S. Ivamoto, editor Acta Medica Misericordiæ
Em entrevista concedida à A Tribuna, o grande jornal do povo desta terra, publicada em 7 de fevereiro, o conceituado advogado, escritor e destacado poeta Narciso de Andrade afirmou que Martins Fontes não era o poeta que Santos imaginava que era. Alicerçado em sua ampla experiência, ousou expressar publicamente suas decepções em relação à obra de um dos maiores poetas brasileiros, venerado por tantos admiradores. Sua afirmativa, embora polêmica, certamente encontrou eco e acolhida em outras almas literatas.
Lançado o repto, Rui Calisto, o inconformado presidente do Instituto Cultural e Humanístico Martins Fontes, saiu em defesa do grande mestre em carta publicada em 15 de fevereiro. Calisto é sócio titular da Ordem Nacional dos Escritores e caro confrade nosso na Sociedade Brasileira de História da Medicina. Muito jovem, porém estudioso e profundo conhecedor da obra martins-fonteana, planeja editá-la em sua totalidade.
A controvérsia é salutar, pois coloca em foco um dos personagens mais importantes da nossa região. Ambos os lados estão corretos. A poesia, como toda arte, expressa o gosto de uma época e este muda. Quando foram escritas, as poesias de Martins Fontes eram admiradas em todo o país e
E quem foi Martins Fontes, o autor dos polêmicos versos?
Martins Fontes, médico e poeta humanista
Um dos mais ilustres médicos do corpo clínico da Santa Casa da Misericórdia de Santos e da Sociedade Portuguesa de Beneficência, José Martins Fontes nasceu em 23 de junho de 1884 numa casa situada ao lado do teatro Coliseu. Era filho do médico Silvério Fontes, natural de Aracaju e de Dona Isabel Martins Fontes, colateral dos Andradas.
Segundo Jaime Franco, citado por Milton Teixeira, a casa onde nasceu e cresceu o Cavaleiro do Amor situava-se em meio a um agradável recanto conhecido como “chácara dos Martins” e estava sempre cheia de convidados que se dedicavam à música, à literatura, à abolição e à república.
Aluno da Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, era bem quisto e admirado pelos colegas, professores e funcionários. Formou-se em 1907. Segundo o Professor Carlos da Silva Lacaz, presidente da Sociedade Brasileira de História da Medicina, sua defesa de tese fez lotar o anfiteatro da faculdade com uma multidão atraída pela eloqüência e beleza de sua oratória. Recusou convite para trabalhar como professor de fisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e seguiu para o Acre. Retornando em 1911, passou a trabalhar como interno e como tisiologista da Santa Casa, a sua "Matriz Misericordiosa de Santos". Dedicou-se também aos pacientes do hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência e da Companhia Docas de Santos.
João Christiano Maldonado conta que Fontes era uma lenda para a cidade que lhe deu berço, passando, de boca em boca, suas grandezas de homem de bem. Olavo Bilac chamou-o de "um menino raio de sol". Para Amadeu Amaral era o “poeta da cor e do relevo”, "cujo traço distintivo era o entusiasmo, um entusiasmo persistente e difuso, que é como a perene palpitação da alegria de viver e da ansiedade de viver: entusiasmo por tudo, entusiasmo cósmico". O médico poeta beijava crianças, amigos, flores e animais, conta Cassiano Ricardo. Ajoelhou-se na Praia do Flamengo para dizer uma oração à lua. Dava flores e dinheiro aos seus pacientes pobres. Comprava passarinhos cativos para poder dar-lhe a liberdade.
Grande comunicador, sua linguagem riquíssima dava cores, volume e relevo às suas idéias. Cantava em seus versos a Vida, o Amor e a Natureza. Sentia prazer em ser bom, sendo sua a frase rotária “Como é bom ser bom”. Otimista, não falava de seus problemas aos amigos. A eloqüência de seu otimismo transmitia-se rapidamente aos que com ele se encontravam.
Seu trabalho extraordinário o fez conhecido em todo o país. Ético, bom e dedicado, era um humanista por excelência. Orgulho da Misericórdia Santista e da Sociedade Portuguesa de Beneficência, sua vida, amor e entusiasmo dignificaram e engrandeceram a Medicina Nacional. O Raio de Sol deixou de brilhar nesta sua Terra da Caridade e da Liberdade em 25 de junho de 1937, deixando-nos sua poesia e a história dos seus belos feitos.
José Martins Fontes
REF: IVAMOTO, Henrique Seiji . Polêmica: outras histórias sobre Martins Fontes. A Tribuna, p. D-4, 07 mar. 2000.