Rede Corporativa
, 09 de março de 2025.
03/03/2010
Neurociências
Meningeoma frontal gigante causando alterações psiquiátricas

Meningeoma Gigante como Causa de Alterações Psiquiátricas. Relato de caso.

Gigantic meningeoma as cause of psychiatric symptoms. Case report. 

 

Marcelo Motta Zanatelli *, Jorge Ismael Brumatti**, Filipe Mota Zanatelli**

Serviço de Neurocirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Santos

 

Resumo

 

               Muitos dos pacientes neurológicos procuram auxilio médico devido a sintomas inespecíficos e subjetivos, nem sempre possíveis de diagnostico claro e imediato.  Dentre tais lesões, os tumores de crescimento lento como os meningeoma estão entre os mais encontrados. Pela acomodação cerebral peritumoral , estes tumores podem atingir volumes extremamente grandes com pouco ou nenhum sintomas associado. Neste texto , relatamos o caso de E.M.S. de 47 anos, do sexo masculino, trazido ao PPA da Santa Casa de Misericórdia de Santos devido a traumatismo cranioencefálico e ferimento corto-contuso frontal esquerdo. Durante a avaliação tomográfica foi encontrado volumoso tumor frontal com lise óssea e extensão para gálea e subcutâneo. O paciente fazia uso regular de medicação antipsicótica por alterações comportamentais. Foi submetido a craniotomia eletivamente com ressecção completa ( Simpson I ) da lesão de aproximadamente 9 cm e 145 gramas. O paciente recebeu alta no 8º PO, consciente , orientado e sem seqüelas neurológicas. Este relato visa atentar sempre para uma possível lesão ainda não identificada nos casos de pacientes com sintomas inespecíficos neurológicos, devendo a tomografia computadorizada de crânio , por ser um procedimento relativamente simples e quase sempre disponível, ser usada para tal fim.

 

Palavras-chave

 

Meningeoma., alterações comportamentais

 

Abstract

 

               A lot of pacients have neurological symptoms that could not be easily ellucidate. Allthout many lesions can cause it, the meningeomas are frequently involved in those cases, because of their slow growth.The brain sorrouding these lesions can be perfect, or with minimal disfunction, difficulting the diagnoses. On this text, we describe a case of a 47 years-old male, brougth to the emergency room, victim of head injury. During examinate, CT scan showed a large frontal brain tumor, extending to subcutaneos. The pacient was on psiquiatric treatment on this time. We performed an elective craniotomy e remove all lesion ( meningeoma of 9 cm e 145 gr), whithout neurological complications. The pacient was discharged on 8º PO and returned to his nourmal life.

 

Key-world

 

Meningeoma, behavior changes

 

 

 

 

 

 

 

* Neurocirurgião , membro titular da SBN, assistente do serviço de neurocirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Santos

** Residente do serviço de Neurocirurgia da Santa Casa de Santo

Introdução

                       

            Muitos dos pacientes neurológicos procuram auxilio médico devido a sintomas inespecificos e subjetivos, nem sempre possíveis de diagnostico claro e imediato. As lesões frontais estão entre as causadoras de tais sintomas, geralmente alterando a personalidade4,5,10, emotividade e sensações, podendo levar a um tratamento inadequado antes do diagnóstico definitivo.  Dentre tais lesões, os tumores de crescimento lento, como os meningeomas2,3,4,5,8, estão entre os mais encontrados. Pela acomodação cerebral peritumoral , estes tumores podem atingir volumes extremamente grandes2,3,4,5,8,12 com pouco ou nenhum sintomas associado.Também fazem parte do diagnostico diferencial coleções subdurais crônicas ( hematomas, higromas, empiemas), processos encefaliticos infecciosos, isquêmicos ou desmielinizantes.

            Os lobos frontais são componentes do sistema límbico e grandes responsáveis , entre outras funções,  pelas emoções1,5,10 . Apresentam intima relação com I e II nervos cranianos e com complexo vascular cerebral anterior1. Distúrbios visuais e olfatórios  podem estar presentes em patologias expansivas frontais1,3,5,8 , mas mesmo quando estudadas prontamente, revelam lesões já extensas e muitas vezes complexas. As alterações psiquiátricas, principalmente depressivas e alteração do humor2,3,5,8 ( desanimo, cansaço, desinteresse) são ainda mais desafiadoras quando pensamos em relacioná-las a patologias neurológicas.

            Os meningeomas ocupam posição de especial interesse para o neurocirurgião, por se tratar da patologia tumoral encefálica benigna mais freqüente3,5,6,8,11 , de crescimento lento2,3,4,5,8,10,12, passível de ressecção cirúrgica completa na maioria dos casos e com bom prognostico2,3,4,5,8,12. Francesco Durante relata seu primeiro tumor ressecado com sucesso como sendo um meningeoma, em 1885, na Universidade de Roma3,8.

Se originam das células aracnóideas das meninges1,2,3,4,5,8,12 e são classificados em típicos6,8 (menigoteliais, fibroblasticos, transição), angioblásticos6,8 (hemangiopericitomas), atipicos6,8 (meningeomas que apresentem muitas figuras de mitose, atipia celular e necrose) e malignos6,8 (anaplasicos, papilares, sarcomatosos) . No Brasil, sua incidência oscila entre 15% a 17%3,8,11. Como achado incidental, próximo a 2,5%3,8,11. São mais freqüentes em paciente da 5ª a 7ª décadas e do sexo feminino3,8. Na fossa craniana anterior, se originam principalmente da convexidade dural, foice, sulcos olfatórios e região paraselar2,3,5,8,12, gerando sintomas e sinais relativos às estruturas acometidas.Varias classificações3,8 foram propostas por Cushing e Eisenhardt, Holmes e Sargent, Al-Mefty e Smith.           

            Cushing8, após classificar os meningeomas da convexidade, em 1922, atribuiu aos pré-coronais as alterações de personalidade2,3,4,,8. As alterações demasiadamente marcantes de personalidade associadas à incontinência urinária e demência só são vistos em tumores grandes e de linha média3,8. Também são muito comuns os achados de cefaléia, crises convulsivas (parciais em meningeomas pararroländicos e generalizadas em meningeomas lobares), alterações motoras e visuais2,3,5,8.

            O rápido diagnostico dos meningeomas aumentou muito com o advento da tomografia computadorizada e da ressonância magnética encefálica3,5,8, sendo cada vez mais encontrados em fase inicial e ainda assintomáticos (achados incidentais). A angiografia cerebral digital completa o arsenal diagnostico, tendo também lugar como adjuvante terapêutica através da embolização pré-operatoria.

            O tratamento cirúrgico com remoção completa da lesão associada a remoção da dura-mater de origem e do retalho ósseo acometido ( Simpson I ) continua sendo o padrão-ouro2,3,4,5,8,12.

 

Relato do Caso

 

            Paciente E.M.S., 47 anos, branco, do sexo masculino, foi trazido ao Posto de Pronto Atendimento da Santa casa de Misericórdia de Santos, com história de crise convulsiva seguida por traumatismo crânio-encefalico. Durante a avaliação incial neurológica, recebeu 7 pontos na escala de Glasgow e foi submetido à intubação orotraqueal e ventilação assistida. Apresentava ferimento corto-contuso frontal esquerdo associado a hematoma periorbitário homolateral. Chamava a atenção abaulamento frontal direito, amolecido, sem características traumáticas (Figura 1). Foi encaminhado à tomografia computadorizada crânio-encefalica, onde se constatou volumosa formação expansiva frontal direita com extensão aos planos subcutâneos , através do osso frontal, com importante deformação do sistema ventricular e desvio de estruturas de linha média, associado a mínimo edema circunjacente. O paciente, estável, evoluiu para extubação em 36 horas. Já consciente, não aparentava alteração de força muscular ou visual, demonstrando apenas alteração cognitiva leve. Negava patologia orgânica pregressa e relatava tratamento psiquiátrico por longa data. Ressonância nuclear magnética crânio-encefálica possibilitou melhor estudo da lesão (Figura2,3), sugerindo meningeoma parassagital frontal direito.

            O paciente foi submetido à incisão bicoronal e craniotomia frontal direita com extensão contralateral para exposição do seio sagital superior, em seu terço anterior. Durante a exposição óssea, já se visualizava lise óssea com extravasamento tumoral (Figura 4). Através de microscopia e coagulação bipolar, cuidadosa dissecção do tumor foi realizada, com ressecção também de toda a aderência dural e osso acometido pelo tumor, mas mantido o seio sagital superior.A peça media aproximadamente 9 cm e pesava 145 gramas (Figura 5) e a tomografia pós operatória imediata demonstrava mínimo sangramento em leito tumoral e já melhor acomodação do tecido encefálico (Figura 6). No 8º PO, recebeu alta sem seqüelas neurológicas ou complicações cirúrgicas.

 

Discussão

 

            Os meningeomas, pelo seu crescimento lento2,3,4,5,8, alcançam proporções gigantescas  em muitos dos casos. De acordo com sua localização e estruturas vizinhas, tornam-se de ressecção total muito arriscada. Quando originários da convexidade encefálica (conforme o caso relatado), o acesso cirurgico necessita ser amplo para exposição de toda a lesão5,8,12 e para controle dos vasos que irrigam o tumor, provenientes em sua maioria da dura-mater local. A elevação dural circunjacente ao tumor deve ser feita com cautela para evitar sangramentos por vezes profusos5,8,12. A colocação de hemostáticos3,8, já em posição definitiva para evitar novos sangramentos no final da cirurgia, a ligadura das principais artérias durais com fios e a coagulação bipolar torna este tempo mais fácil. Neste caso, o tumor se originava da convexidade frontal direita, parasagital, com lise óssea e extensão à gálea. Já durante o exame inicial, se notava abaulamento frontal amolecido, podendo ser facilmente confundido com cefalohematoma.

Após identificada a lesão, o estudo por ressonância nuclear magnética encefálica ajuda na programação da via de acesso3,5,8,12 bem como visualiza a posição das principais estruturas neurais em relação com o tumor3,5,8. Os vasos de maior importância podem estar deslocados ou envolvidos pelo tumor2,3,4,5,8,12 (estudo angiográfico é conveniente), necessitando de técnicas de abordagem diferentes para se evitar lesão vascular potencialmente causadora de seqüelas. Uma vez diminuído o suprimento sanguineo do meningeoma, a aracnóide peritumoral é aberta e se incia a dissecção do tumor circunferencialmente2,3,5,8,12. Nas lesões mais volumosas, a aspiração do interior do tumor ajuda na mobilização do mesmo2,3,5,8,12. Não se pensa mais em retirar a lesão em uma única  peça3,8, somente quando possível e seguro.

            O caso relatado descreve uma situação ainda freqüente : paciente considerado psiquiátrico vs. doença neurológica em curso. Muitos destes pacientes são pouco providos de recursos financeiros e assistenciais,  geralmente não estão em sua cidade de origem e postergam em muito o primeiro contato com neurologista. Passam por diversas vezes em pronto-socorros mas não seguem o encaminhamento solicitado. A própria superlotação dos pronto-socorros dificulta uma anamnese detalhada que leve à suspeita de uma patologia de base ainda indefinida (uma queixa de crise convulsiva, um sinal focal cerebral ou sintoma subjetivo mais persistente).

 

Conclusão

 

            Não há como realizar investigação neurológica detalhada em toda a população que procura auxilio médico no sistema publico de saúde. Os pacientes são selecionados de acordo com as queixas mais indicativas de transtorno encefálico. Porém, uma patologia ainda não identificada deve ser sempre suspeita naqueles pacientes que apresentem má evolução na vigência de um tratamento considerado adequado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências

 

  1. Abrahams PH, Marks Jr SC, Hutchings RT.Atlas de Aanatomia Humana de McMinn.São Paulo: Elsevier, 5ª ed, 2005.
  2. Al-Mefty O. Meningiomas. New York : Raven Press, 1991.
  3. Colli BO. Meningeomas da Base do Cranio: I – anterior. Em : Siqueira MG, Novaes V. Tumores Intracranianos. Biologia, diagnostico e tratamento. São Paulo: Revinter e Ed Santos, 1999.
  4. Cushing H. The Meningiomas.(dural endotheliomas):Their source and favoured seats or origin. Brain 45:282-316, 1992.
  5. Greenberg MS.Handbook of neurosurgery. New York: 5ª ed, 2001.
  6. Kleihues P, Burger PC, Scheithauer BW. The new WHO classification of brain tumours. Brain Pathol 3:255-268, 1993.
  7. Lana-Peixoto MA, Pitella JEH, Arouca EMG. Primary intracranial tumours: analysis of a series of consecutive autopsies and biopsies. Arq neuro-psiquiat. São Paulo 39:13-24, 1981.
  8. Mandalozzo LE, Torres LFB. Meningeomas da Convexidade, Foice e Tenda. Em: Siqueira MG, Novaes V. Tumores Intracranianos. Biologia, diagnostico e tratamento. São Paulo: Revinter e Ed Santos, 1999 .
  9. Rhoton Jr AL, Natori Y. The orbit and sellar region. Microsurgical anatomy and operative approaches. New York : Thieme, 1996.
  10. Skaf CR, Yamada A, Akamine S, Filho GB. Meningeoma frontal numa paciente com síndrome depressiva maior crônica. Ver Bras Psiquiatria 21, 1999.
  11. Torres LFB, Almeida R, Ávila S, Alessi S, Freitas R. Brain Tumours in South Brazil. Arq neuro-psiquiat. São Paulo 48:279-285, 1990.
  12. Yasargil MG. Microneurosurgery, Vol. I. New York: Thieme, 1984.

 



Atalhos da página



Revista Acta Medica Misericordiæ
A Revista das Santas Casas
Rede Corporativa e-Solution Backsite