Cerebelo
Henrique S. Ivamoto
O cerebelo está situado na fossa posterior do crânio, abaixo da tenda do cerebelo e atrás do tronco encefálico. Liga-se a este através dos pedúnculos cerebelares superiores, médios e inferiores. Desenvolveu-se filogeneticamente a partir de áreas vestibulares, estando, portanto, relacionado com o sistema vestibular e sua função na manutenção do equilíbrio corporal. Relaciona-se também com o sistema proprioceptivo. Em mamíferos, que executam movimentos finos com as extremidades, alcança seu desenvolvimento maior.
Suas principais funções são a manutenção do equilíbrio, regulação do tono muscular e da postura, integração e coordenação dos movimentos. Os movimentos tornam-se harmônicos, uniformes, suaves, “lisos”, síncronos, bem graduados na força, na velocidade, no ritmo e na extensão.
O cerebelo é constituído de substância branca, recoberta por uma fina camada de substância cinzenta, o córtex cerebelar. No interior da substância branca há, de cada lado, massas de substância cinzenta, os núcleos: denteado, emboliforme, globoso e fastigial. Morfologicamente, o cerebelo é constituído de uma porção mediana chamada vermis e duas porções laterais volumosas chamadas hemisférios cerebelares. A divisão filogenetica é mais funcional que a divisão morfológica.
DIVISÃO FILOGENÉTICA
Filogeneticamente o cerebelo tem três divisões principais, com funções diferentes:
1) Arquicerebelo: a mais primitiva, constituída pelo lobo floculonodular. Tem ricas conexões vestibulares. Surgiu com os vertebrados mais primitivos, os ciclóstomos, que não possuem membros e necessitam equilibrar-se no meio líquido, onde se deslocam através de movimentos sinuosos simples. Também chamado “cerebelo vestibular”. Importante na regulação do equilíbrio. Lesões provocam dificuldades com o equilíbrio estático e com a marcha.
2) Paleocerebelo: é constituído por grande parte do vermis cerebelar e de lóbulos correlatos. Regulação do tônus postural e da motricidade automática. Surge nos peixes, que possuem membros pouco desenvolvidos, as barbatanas, que realizam movimentos simples. Recebe fibras do sistema vestibular e da medula espinhal. Constituído anteriormente pela língula, lobulo central e culmen, e, posteriormente, pela pirâmide e úvula. A língula, lobulo central e culmen, que constituem o lobo anterior do cerebelo, são compostos da parte anterior do vermis e suas pequenas extensões laterais. A pirâmide e úvula constituem a parte posterior do lobo posterior do cerebelo. O paleocerebelo mantém conexões principalmente com a medula espinhal, mas também com o tronco encefálico e núcleos vestibulares. Também chamado “cerebelo espinhal”.
3) Neocerebelo: filogeneticamente, a mais nova divisão, que surgiu com os mamíferos, para permitir a coordenação de movimentos finos, delicados, assimétricos. Esses animais também têm o córtex cerebral mais desenvolvido, com os quais o neocerebelo estabelece amplas conexões, através da ponte. No homem, o neocerebelo é constituído pela maior parte dos hemisférios cerebelares. Também chamado “cerebelo cortical”. Coordena os movimentos dos membros.
As fibras vestibulares provêm do labirinto e entram no cerebelo através dos pedúnculos cerebelares inferiores.
As fibras espinhais provêm da pele e dos receptores proprioceptivos dos músculos, articulações e tendões. Sobem pelo trato espinocerebelar dorsal e penetram no cerebelo pelo pedúnculos cerebelares inferiores. Sobem também pelo trato espinocerebelar ventral, que penetram no cerebelo pelos pedúnculos cerebelares superiores.
Fibras corticais fazem relê em núcleos da ponte e penetram no cerebelo através dos pedúnculos cerebelares médios.
Fibras procedentes do tálamo e da medula espinhal chegam aos núcleos olivares e penetram no cerebelo através do pedúnculo cerebelar contralateral.
Fibras que partem dos núcleos cerebelares deixam o cerebelo através dos três pedúnculos. A via eferente mais importante deixa o cerebelo através dos núcleos denteado, emboliforme e globoso, através do pedúnculo cerebelar superior e, após decussar no mesencéfalo, passa para o núcleo rubro contralateral. Deste, origina-se o núcleo rubro-espinhal, que decussa novamente no mesencéfalo e desce pela coluna lateral da medula espinhal. Esta é a principal via através do qual o cerebelo atua sobre os neurônios motores inferiores. Através dessa via, com dupla decussação, o hemisfério cerebelar coordena a movimentação de músculos do mesmo lado.
Basicamente, ocorre perda de coordenação, a ataxia cerebelar. Há várias provas: índex-nariz, calcanhar-joelho-tíbia, movimentos repetitivos alternados, prova gráfica (traçar uma linha entre dois pontos, escrita), prova do rechaço, prova dos braços estendidos, fala, movimentos dos olhos, reflexos profundos, equilíbrio estático e dinâmico (marcha).
Na pessoa normal, há sinergia entre os diversos músculos e o movimento resultante é feito com precisão e suavidade. Na sua falta, os movimentos tornam-se grosseiros, imprecisos incoordenados. Assinergia ou dissinergia é a perda de sinergismo ou de coordenação entre os músculos responsáveis pela execução de um movimento.
Decomposição dos movimentos, que são quebrados em diversas etapas, cada uma corrigindo a anterior em direção ao objetivo final.
Dismetria resulta da incapacidade de terminar o movimento no seu ponto final. Ao tentar levar a mão até um determinado ponto, ultrapassa (hipermetria) ou pára antes de alcançá-lo (hipometria).
Adiadococinesia e disdiadococinesia, respectivamente, incapacidade e dificuldade em realizar movimentos alternados rápidos, devido a incoordenação no uso dos músculos agonistas e antagonistas. Como exemplos, dificuldade em bater os dedos repetidamente numa mesa, fazer pronação e supinação das mãos repetidamente.
O tônus muscular pode estar diminuído. Reflexos profundos (miotáticos) podem estar hipoativos, quando há hipotonia. Vagarosidade nos movimentos.
Tremor de intenção ou tremor cinético que, ausente no repouso, surge ao se realizar um movimento voluntário. Por vezes, ocorre tremor também de repouso.
Em lesões acometendo um hemisfério cerebelar, tendência a cair para o lado lesado, desviar a marcha para o lado lesado, desviar um membro estendido para o lado lesado e desviar os olhos na direção contrária. Em lesões do vérmis, tendência a cair para a frente ou para trás.
Nistagmo geralmente indica comprometimento do vérmis ou das conexões dos núcleos vestibulares através do pedúnculo cerebelar inferior.
Disartria atáxica é a fala incoordenada, desarticulada, com as sílabas sendo pronunciadas com irregularidade no seu volume e ritmo.
Prova do rechaço (de Stewart-Holmes): com o antebraço parcialmente fletido, forçando em direção ao tórax (nunca direcionado à face) contra resistência interposta pelo examinador que lhe segura o punho, este é bruscamente liberado. Uma pessoa normal freia o movimento rapidamente. No cerebelopata, por falta de coordenação e de ação dos antagonistas, seu punho choca-se contra o ombro ou tórax.
Marcha ebriosa,cerebelosa ou atáxica, é irregular, com os pés afastados para aumentar a base de sustentação.
Dificuldade com o equilíbrio estático, em manter-se de pé. As pernas são abertas, para aumentar a base de sustentação. O fechamento dos olhos não piora muito o equilíbrio, porque a sensibilidade proprioceptiva está preservada. (Assim, o sinal de Romberg, que consiste na piora acentuada do equilíbrio com o fechamento dos olhos, não ocorre nos cerebelopatas.)
Não há atrofia muscular.