Afasias, agnosias e outros distúrbios corticais
Henrique S. Ivamoto
AFASIAS E DISFASIAS
O grande desenvolvimento da linguagem é um dos atributos peculiares aos seres humanos. Quase todos dextros e a grande maioria dos sinistros (canhotos), têm o hemisfério cerebral esquerdo dominante para a função da fala. Infantes que sofrem lesões cerebrais esquerdas podem desenvolver essa função no hemisfério cerebral direito. Em crianças com mais de cinco anos de idade e em adultos, essa possibilidade já é ínfima. As áreas relacionadas com a função da fala, Broca e Wernicke situam-se, respectivamente, acima e abaixo do sulco lateral ou silviano.
A área de Broca, situada no giro frontal inferior (áreas 44 e 45) do hemisfério cerebral dominante, logo acima do sulco lateral, é responsável pela função de emissão, execução, motricidade da fala. Lesão dessa área causa afasia motora, também chamada de afasia de expressão, não-fluente ou agramatical. O paciente não consegue falar, embora entenda o que ouve. Uma perda parcial pode ser chamada de afasia motora parcial ou de disfasia motora. Muitos autores usam as palavras afasia e disfasia indistintamente, sejam as perdas completas ou parciais. A área de Broca é vizinha às áreas de comando dos órgãos da fonação (laringe, faringe, língua e lábios), situados na área motora, a de número 4 de Brodmann. Uma técnica de avaliação consiste em mostrar alguns objetos e pedir ao paciente para nomeá-los. Pacientes com disfasia motora, quando conseguem nomear um objeto (exemplo “caneta”), frequentemente repetem o mesmo nome para outros objetos que lhe são mostrados, o que se chama perseveração (na fala anterior).
A área de Wernicke, situada em sua maior parte no giro temporal superior (área 22) do hemisfério cerebral dominante, é responsável pela função de compreensão da mensagem falada. Lesão dessa área causa afasia sensorial, também chamada afasia receptiva, fluente ou paragramatical. Não compreende as mensagens que ouve. O paciente fala fluentemente mas comete erros porque não compreende a própria mensagem que emite, ou seja, não entende sua fala e, assim, não pode corrigir-se. Pacientes com disfasia sensorial, quando compreendem um comando motor (exemplo “abra a boca”) que lhes é dado, frequentemente repetem esse gesto motor quando um outro comando é dado, ao que se chama perseveração (no comando anterior).
A área de Wernicke fica ao lado do córtex auditivo primário (giro de Heschl), onde terminam as fibras do sistema auditivo. O giro de Heschl localiza-se no giro temporal transverso anterior (área 41), na face superior dos lobos temporais direito e esquerdo.
As áreas de Wernicke e de Broca, separadas pelo sulco lateral, são ligadas entre si pelo fascículo arqueado, cuja lesão provoca afasia condutiva. O paciente fala e entende o que ouve, mas tem dificuldade em repetir aquilo que ouve.
Como as áreas de Broca e de Wernicke são muito próximas entre si, são freqüentemente lesadas em conjunto, resultando em afasias ou disfasias mistas ou globais. Essas disfunções mistas são mais comuns que as afasias ou disfasias puramente motoras ou puramente sensoriais.
DISLEXIAS E DISGRAFIAS
Na parte distal do sulco temporal superior situa-se o giro angular (área 39) do lobo parietal. Esse giro faz a conexão entre duas regiões que lhe são vizinhas: a área de Wernicke (área 22, situada na parte posterior do lobo temporal) e as áreas visuais cognitivas (áreas 18 e 19, no lobo occipital). Integra funções dos sistemas visual e de comunicação verbal, relacionadas à leitura. Para nossa escrita, que é ligada à palavra, a leitura de um texto é mentalmente convertida para a forma auditiva. Por outro lado, para se escrever, a mensagem auditiva é convertida para a forma visual. Lesão no giro angular do lado dominante provoca dislexia, dificuldade para ler e disgrafia, dificuldade para escrever. Outros autores atribuem a disgrafia a lesões no “centro da escrita de Exner” situado no lobo frontal dominante.
APRAXIA E DISPRAXIA
A realização de um ato motor, de um gesto, requer o envolvimento não apenas dos sistemas piramidais e extrapiramidais, mas também da sensibilidade proprioceptiva. Há necessidade de haver inicialmente uma idéia, uma formulação mental do plano de ação. Essa formulação é então transmitida ao sistema motor, através do qual os movimentos relativos ao ato gestual são executados. Apraxia ou dispraxia é a dificuldade em realizar atos aprendidos, como usar um martelo, uma caneta, um apagador, acender um fósforo. O paciente pode apanhar o martelo pela cabeça, segurar o apagador pelo lado errado, agarrar a caneta com a mão toda e não sabe usar esses instrumentos. Lesões corticais generalizadas comprometem o planejamento geral de atos voluntários e, assim, causam apraxia ou dispraxia. A ocorrência de apraxia e dispraxia tem também sido atribuída a lesões no giro supramarginal (área 40), situado no lobo parietal, junto à extremidade posterior do sulco lateral, provavelmente por interromperem vias de associação.
AGNOSIAS
Junto às áreas sensoriais (visuais, auditivas, tácteis, etc.) há áreas de associação que processam as informações sensoriais recebidas e formam imagens que possibilitam sua apreensão consciente, seu conhecimento, sua "gnosia". Nessas áreas de associação gnósticas, as informações recebidas são comparadas com as recebidas anteriormente para o seu reconhecimento. A linguagem tem um papel importante no conhecimento dos objetos, onde conhecer é denominar e denominar é conhecer. Os mecanismos neurosensoriais estão intimamente ligados aos mecanismos da linguagem. Assim, as atividades cognitivas estão, em sua maior parte, ligadas predominantemente ao hemisfério cerebral dominante para a linguagem.
A área de associação somestésica situa-se no lobo parietal (áreas 5 e 7), junto ao córtex somestésico primário (áreas 3, 2, 1).
A área de associação visual situa-se no lobo occipital (áreas 18 e 19), junto ao córtex visual primário (área 17). Pacientes com lesões nas áreas 18 e 19 não ficam cegos mas têm agnosia visual, em que não reconhecem e não identificam os objetos que vêem.
A área de associação auditiva situa-se no giro temporal superior (áreas 42 e 22), junto ao córtex auditivo primário (área 41).
Os giros supramarginal (área 40) e angular (área 39) são importantes áreas de associação que integram informações visuais, auditivas e somestésicas.
Pacientes com lesão na área 40 apresentam agnosia táctil e proprioceptiva e inabilidade de reconhecer objetos pelo tato (astereognose), e podem ter distúrbio da imagem corporal, não reconhecendo o membro contralateral como sendo seu. Podem ter também dificuldades em reconhecer os dedos e os lados direito e esquerdo.
No lobo temporal há áreas relacionadas com a memória, sonhos, alucinações. Estimulação dessas áreas pode evocar lembranças vívidas de fatos passados. Convulsões afetando essas áreas podem suscitar crises em que experiências presentes parecem experiências já vividas no passado ("déjà vu"), em que o passado se confunde com o presente. Numa crise afetando o lobo temporal, o paciente pode continuar fazendo o que fazia e ter amnésia para o evento.
Estereognosia é a identificação de um objeto pelo tato. Astereognosia é a incapacidade de identificar um objeto pelo tato, podendo decorrer de lesões nas vias da sensibilidade, incluindo nervos periféricos, medula, e encéfalo. Astereognosia pode também ocorrer em lesões do córtex parietal. Alguns casos de astereognosia, chamadas de puras ou assimbolia tátil, as vias da sensibilidade estão íntegras, o paciente reconhece a forma e a matéria do objeto, mas não o identifica.