Rede Corporativa
, 09 de março de 2025.
11/02/2014
Neurociências
Memória, intelecto, amnésias, demências

Memória, intelecto, amnésias, demências

Henrique S. Ivamoto

                                              A MEMÓRIA

O conhecimento sobre a neurofisiologia dos processos mnésticos é ainda rudimentar. O registro de fatos vivenciados por um indivíduo, sua retenção na lembrança e a capacidade evocativa, dependem muito do grau de interesse, particularmente dos correspondentes correlatos afetivos. Fatos associados a experiências afetivas fortes, agradáveis ou desagradáveis, são mais poderosamente registrados e evocados. As funções mnésticas utilizam-se do sistema límbico, relacionado às funções afetivas. Reconhecem-se dois tipos de memória:

 

(A) Uma é a memória imediata, breve, utilizada no dia-a-dia, para os afazeres diários, e que correspode à memória RAM, memória volátil ou memória eletrônica dos microcomputadores. Um evento como um traumatismo cranioencefálico, choque elétrico ou convulsão, pode apagar o conteúdo dessa memória imediata, da mesma forma que uma interrupção breve no fornecimento de energia elétrica pode apagar o conteúdo da memória RAM.

 

(B) Outra é a memória tardia, de longa duração, para eventos passados, que é "arquivada" e guardada, provavelmente em circuitos sinápticos, e que pode ser reforçada com evocações periódicas, num processo de facilitação da transmissão por esses circuitos. A memorização é seletiva, favorecendo a evocação de fatos de maior interesse em detrimento de fatos de menor interesse. Essa forma de memória humana corresponde à memória eletromecânica ou de massa dos microcomputadores, e que é armazenada em discos rígidos, disquetes, CDs e fitas magnéticas.

 

A memorização do conteúdo de um texto escrito é fácil quando o mesmo é compreendido pelo estudante e se a concatenação das idéias expostas segue uma lógica clara. Um texto longo, mas lógico e bem organizado, é mais facilmente lembrado do que um texto breve, mas confuso. Num microcomputador, um arquivo guardado segundo uma sintaxe, isto é, um caminho a ser seguido nos diretórios para alcançá-lo, lógica, é encontrado com facilidade. Se a sintaxe for complexa e confusa, é resgatado com dificuldade.  Da mesma forma, na memória humana, um pensamento registrado de forma confusa e complexa, também é evocado com muita dificuldade. O estudo efetuado quando o estudante está sonolento ou desatento é ineficaz. Quando perceber que, ao cabo de quinze minutos de leitura, continua no mesmo parágrafo, desista, descanse ou durma, e retome a leitura depois, com eficiência. Para obter um bom rendimento, estude apenas enquanto estiver com sua capacidade plena de atenção, isto é, com nível máximo de apreensão.

 

AMNÉSIA

Um paciente que sofre um traumatismo cranioencefálico pode perder a consciência durante um certo tempo. Durante o período de inconsciência, nada registra em sua memória. Após começar a recuperar a consciência, poderá haver registro apenas parcial dos fatos que vivencia durante um certo tempo. Amnésia anterógrada é aquela relativa aos fatos ocorridos após um evento, como um traumatismo cranioencefálico, e se deve à falta de registro mnéstico. Esse período geralmente é fixo e, quando superior a 24 horas, associa-se a um aumento na incidência de convulsões tardias. Amnésia retrógrada é aquela relativa aos fatos ocorridos antes do evento traumático e pode encurtar-se até bem próximo ao momento do traumatismo. Amnésia lacunar refere-se a um período da vida do paciente sobre o qual de nada se recorda.

Alcoólatras crônicos frequentemente desenvolvem deficiência de tiamina (vitamina B1) e a síndrome de Korsakoff, em que ocorre amnésia anterógrada completa e amnésia retrógrada parcial. A perda da orientação temporal faz com que percam a noção da cronologia dos eventos memorizados, misturando passado com presente, preenchendo as lacunas de sua memória recente com fatos antigos, o que constitui a confabulação. Assim, quando indagado, um indivíduo que está hospitalizado há três dias diz, com sinceridade, estar em sua casa, que tomou seu habitual café da manhã e que trabalha normalmente. Esses pacientes podem apresentar atrofia bilateral dos corpos mamilares, dos núcleos dorsomediais do tálamo e do córtex frontal. Deficiências nutricionais de tiamina, não associadas ao alcoolismo, também podem desenvolver a síndrome de Korsakoff. 

A deficiência de tiamina pode também causar encefalopatia de Wernicke caracterizado por confusão mental, amnésia, ataxia, paralisia de músculos extrínsecos do olho, geralmente o reto lateral e nistagmo, um quadro clínico de início agudo, podendo levar a torpor, coma e à morte.

 

INTELECTO

A inteligência, julgamento e atenção dependem de fatores biológicos e do grau de desenvolvimento educacional e cultural. Essas funções encefálicas são afetadas com lesões mais ou menos difusas.

Inteligência é a faculdade de aprender, apreender ou compreender. Manifesta-se pela capacidade de captar as relações entre as partes de um conjunto de elementos, de elevar-se do concreto para o conceitual, de abstrair, de raciocinar, de prever conseqüências, de ponderar sobre uma situação, de solucionar problemas. Os testes de nível intelectual utilizam provas específicas de vocabulário, raciocínio, memória e de fatores de ordem geral. 

Julgamento é a capacidade de avaliar, apreciar, opinar. Depende da inteligência e da personalidade da pessoa, com sua afetividade. Deficiências no julgamento ocasionam perdas de autocrítica, ingenuidade e credulidade.

Atenção é importante para que o indivíduo possa manter-se absorto numa determinada atividade (atenção específica) ou para que perceba um estímulo qualquer (atenção global). Quando falta a atenção, o paciente não consegue desenvolver uma atividade ou requer que se repita perguntas a ele formuladas.

 

TESTES DE INTELIGÊNCIA

O Wechsler Adult Intelligence Scale, WAIS, presta-se para avaliar o QI, quociente de inteligência, QI verbal, QI não verbal e QI total em pessoas com idade superior a 16 anos. O Wechsler Inteligence Scale for Children, WISC, serve para avaliar o QI verbal, QI não verbal e QI total em crianças, entre 6 e 16 anos de idade. O nível mental é considerado de acordo com o QI total:

 

QI

Nível mental

>140

Gênio.

120-140

Inteligência muito superior.

110-120

Inteligência superior.

90-110

Inteligência normal ou média.

80-90

Inteligência normal inferior.

70-80

Deficiência limítrofe (borderline).

50-70

Retardo mental leve. Educáveis. Geralmente não ultrapassam a quarta série do curso básico. Quando adultos, conseguirão trabalhar sob supervisão. Constituem 75% da população com deficiência mental.

40-50

Retardo mental moderado. Treináveis. Capazes de aprender cuidados simples de si próprios, o que lhes dá certa autonomia funcional no ambiente doméstico.

20-40

Retardo mental severo. Totalmente dependentes.

<20

Retardo mental profundo.

 

Escolas especiais para excepcionais e classes especiais em escolas comuns dedicam-se ao ensino de crianças portadoras de deficiência mental. Muitos centros espíritas e Apaes desenvolvem um trabalho notável de atendimento desses pacientes que, como os portadores de outras afecções incapacitantes, dependem da boa vontade das pessoas capacitadas da comunidade.

 

MINIEXAME DO ESTADO MENTAL (MMSE)

Essa avaliação mental simplificada, que pode ser feita por um médico em seu consultório ou hospital, foi proposta por Folstein e colaboradores (Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR: Minimental state. A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res 12:189-198, 1975). O teste inclui orientação temporal, orientação espacial, memória imediata, cálculo e atenção, evocação da memória, linguagem e desenho.

 

I- Orientação temporal (um ponto para cada resposta correta. Subtotal 5 pontos):

·        Dia da semana.

·        Dia do mês.

·        Mês.

·        Ano.

·        Hora aproximada.

 

II- Orientação espacial (subtotal 5 pontos):

·        Em que local se encontra (hospital, consultório, ambulatório).

·        Endereço ou como se chega a esse local.

·        Andar ou setor (quarto ou enfermaria, consultório).

·        Cidade.

·        Estado.

 

III- Memória imediata (subtotal 3 pontos). Diga o nome de três objetos, claramente, um segundo cada palavra (ex: "bicicleta, fogão, escada"). Em seguida, peça que repita os nomes dos três objetos. A pontuação é dada pela primeira tentativa. Caso o paciente não tenha conseguido memorizar, repita novamente, até no máximo seis vezes, pois será arguido novamente.

 

IV- Cálculo e atenção (subtotal 5 pontos):

Peça para subtrair 7 de 100, sucessivamente, cinco vezes (93, 86, 79, 72 e 65). Se a primeira subtração estiver certa (93) ou errada, peça para subtrair 7 de 93. Se o paciente não conseguir efetuar os cálculos, peça-lhe que soletre a palavra "mundo" do fim para o início. Um ponto para cada resposta correta. Desconsidere o teste (cálculo ou soletração) com desempenho pior.

 

V- Evocação da memória (subtotal 3 pontos): Peça para dizer quais eram os três objetos citados no ítem "Memória imediata".

 

VI- Linguagem (total, 8 pontos).

·        Mostre uma caneta e pergunte o que é (1 ponto).

·        Mostre um relógio e pergunte o que é (1 pontos).

·        Repetir a frase "Nem sim, nem não, nem talvez" (1 ponto). Tentar uma vez apenas.

·        Tríplice comando. Dê ao paciente uma folha de papel e peça-lhe para apanhar o papel com a mão direita, dobrar ao meio e colocá-lo no chão. Um ponto para cada parte do comando que acertar (total, 3 pontos).

·        Ordenar-lhe por escrito: "Feche os olhos" (1 ponto).

·        Peça ao paciente escrever, numa folha de papel, uma frase simples, contendo um sujeito e um verbo e que tenha sentido (1 ponto).

 

VII- Cópia de desenho. O examinador desenha dois pentágonos interseccionados e pede ao paciente copiar esse desenho (1 ponto). Os 10 ângulos e a intersecção devem ser copiados:

 

 

 

 

 

 

Largamente usado, o miniexame do estado mental (MMSE de MiniMental State Examination) é um instrumento de triagem, sujeito a fatores educacionais e culturais. O escore máximo no Miniteste Mental é 30 pontos. Resultados entre 24 e 30 são considerados normais. Para pessoas de níveis culturais inferiores, o valor mínimo é 21. Pacientes com resultados abaixo desses níveis mas superiores a 15 são considerados levemente deficitários. Entre 5 e 15, moderadamente deficitários. Abaixo de 5, gravemente deficitários.

 

DEMÊNCIAS

Demências são perdas da capacidade mental adquirida, incluindo a orientação pessoal, orientação temporal, orientação espacial, raciocínio, a memória, abstração, com prejuízo em suas atividades profissionais e sociais.

A prevalência de demências aumenta nas idades avançadas, paralelamente ao crescimento da ocorrência de doenças vasculares encefálicas e outras afecções degenerativas, alcançando quase um terço da população aos 90 anos de idade. Segundo Jorm, a prevalência de demências dobra a cada 5 anos:  De 60 a 64 anos, 0,7%. De 65 e 69 anos, 1,4%. De 70 a 74 anos, 2,8%. De 75 a 79 anos, 5,6%. De 80 a 84 anos, 10,5%. De 85 a 89 anos, 20,8%. De 90 a 95 anos, 38,6%.

Demências não incluem os retardos mentais, em que a criança em seu desenvolvimento não chega a alcançar um nível mental normal. 

 

DOENÇA DE ALZHEIMER

É apontada como a causa mais freqüente de demências, atingindo, segundo alguns autores de 2% a 6% das pessoas com mais de 65 anos e 15% a 20% das pessoas com 80 anos de idade. Outros autores relatam incidências maiores. Em 15% dos casos a causa é genética, transmitida de forma autossômica dominante e incidindo antes dos 60 anos. Há perda neuronal, particularmente no complexo hipocampo-amigdaliano e nas áreas de associação do córtex cerebral. São encontradas degenerescências neurofibrilares intraneuronais que contêm a proteína tau; placas senis com proteína beta-amilóide; e depósitos de proteínas beta-amilóides nas paredes dos vasos corticais. Suspeitas de que a etiologia seja devida a virus, prions ou toxinas não têm sido confirmadas. O quadro clínico é de perda progressiva da capacidade cognitiva, memória e intelecto, podendo estar associado a depressão. Episódios frequentes de agitação, geralmente no período noturno. Nas fases avançadas da enfermidade, as áreas motoras e sensoriais do córtex cerebral também são atingidas, acarretando perdas motoras e sensoriais e incontinência urinária e fecal. A evolução é variável, a maioria falecendo entre 4 e 10 anos da época em que o diagnóstico é feito. Países desenvolvidos, onde as populações geriátricas são maiores, apresentam incidência maior dessa enfermidade. Na falta de marcadores biológicos e considerando os riscos associados à biópsia cerebral, o diagnóstico é feito por exclusão.

 

DEMÊNCIA POR INFARTOS MÚLTIPLOS CEREBRAIS

A ocorrência de múltiplos infartos cerebrais leva a um quadro demencial em que predominam a inatenção, abulia e apatia, geralmente associado a hiperreflexia, rigidez espástica e paralisia pseudobulbar. (Na doença de Alzheimer predomina a perda de memória.)

 

ENCEFALOPATIA DE BINSWANGER

Alguns pacientes hipertensos apresentam um quadro demencial associado a uma perda difusa da substância branca no centro semioval, leucoaraiose, devida a um estado isquêmico crônico provocado por esclerose arteriolar associada à hipertensão arterial. É a encefalopatia subcortical de Binswanger.

 

HIDROCEFALIA

A hidrocefalia crônica pode provocar um quadro demencial.

1.      Hidrocefalia ex-vacuo ou não obstrutiva. Um ou mais ventrículos cerebrais aumentam de volume devido à perda de tecido cerebral. É causada por infartos cerebrais múltiplos, doença de Alzheimer e perdas de tecido cerebral de qualquer outra natureza.

 

2.      Hidrocefalia obstrutiva do tipo não-comunicante (hidrocefalia interna). É causada por obstruções ao trânsito liquórico no interior do encéfalo, como tumores do terceiro ventículo, estenose do aqueduto, tumores cerebelares comprimindo o quarto ventrículo, síndrome de Dandy-Walker (atresia dos forames de Magendie e Luscka). Pode ser tratada com derivações liquóricas que desviam o líquor dos ventrículos para o espaço peritoneal (derivação ventrículo-peritoneal) ou para o átrio direito (derivação ventrículo-atrial). Outra forma de tratamento é a abertura de uma saída para o líquor na parede anterior do terceiro ventrículo, ventriculostomia, que pode ser feita através de endoscopia.

 

3.      Hidrocefalia comunicante, também conhecida por hidrocefalia a pressão normal e hidrocefalia a baixa pressão. O trânsito liquórico no interior do encéfalo sua saída pelos orifícios de Magendie e de Luscka é normal. É causada por obstruções ao trânsito liquórico pelo espaço subaracnoide que recobre o encéfalo, dificultando seu acesso às granulações aracnóides dos seios venosos, de onde o líquor é absorvido e entra na circulação venosa. A obstrução ao trânsito liquórico pelo espaço subaracnóide decorre de uma aracnoidite adesiva, causada por meningites infecciosas ou químicas (hemorragias subaracnoides). Sua incidência após hemorragias subaracnoides é de cerca de 10%. Além das dificuldades cognitivas, esses pacientes frequentemente apresentam também dificuldades à marcha, hiperreflexia nos membros inferiores e incontinência urinária. O tratamento usual é uma derivação liquórica ventrículo-peritoneal.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Tomografia axial computadorizada ou Ressonância Magnética Nuclear deve ser incluída na investigação de demências. Ressonância magnética é muito útil para detectar lesões desmielinizantes e degenerativas, como a doença de Huntington. Outros exames freqüentemente requeridos são glicemia, T3, T4, TSH, sorologia para sífilis e HIV, transaminases, bilirubina, proteinemia, creatinina, eletroencefalografia e avaliação psicológica de nível mental. 

 

OUTROS TESTES PSICOLÓGICOS

Diversos testes podem ser usados em distúrbios mentais e afetivos. Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI) presta-se para comparar as respostas obtidas com os padrões de respostas obtidos empiricamente em pacientes portadores de distúrbios de personalidade. Rorschach Psychodiagnostics utiliza dez manchas de tinta e detecta alterações psicodinâmicas. Bender Gestalt Test serve para evidenciar disfunções psicomotoras em pacientes com distúrbios orgânicos.  Testes Projetivos são usadas para que o paciente demonstre suas fantasias e modos de adaptação, sendo úteis nas doenças psicóticas. Profile of Moods Survey (POMS) e Beck Depression Inventory (BDI) servem para quantificar humores disfóricos como ansiedade e depressão.

BIBLIOGRAFIA

1.      Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR: Minimental state. A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res 1975; 12:189-198.

2.      Cambier J, Masson M, Dehen H. Manual de Neurologia. 9th ed. Rio de Janeiro: Medsi, Editora Médica e Científica, 1999.

3.    Ivamoto H.S.: Mental retardation in hydrocephalus and craniosynostosis, Appendix I. In Hull M. Halloran W.:Professional Development Program for Vocational Educators of Handicapped Students. United States Department of Health Education and Welfare. Office of Education, Bureau of Education for the Handicapped. August, 1974. U. S.A..

4.      Jorm AF: The prevalence of dementia. A quantitative integration of the literature. Acta Psych Scand 1987; 76:465-479.

5.      Brain L, Walton JN. Brain’s Diseases of the Nervous System. London: Oxford University Press.

6.      Rowland LP. Merritts’s Textbook of Neurology. Baltimore: Williams & Wilkins, 9th ed, 1995.

 



Atalhos da página



Revista Acta Medica Misericordiæ
A Revista das Santas Casas
Rede Corporativa e-Solution Backsite